Cuadernos de Política Exterior Argentina (Nueva Época), 136, diciembre 2022, pp. 143-145
ISSN 0326-7806 (edición impresa) - ISSN 1852-7213 (edición en línea)
Resenha
Sousa, Ana Teresa Lopes Marra de; Azzi, Diego Araujo; Rodrigues, Gilberto
Marcos Antonio (orgs.)(2022) Política externa brasileira em tempos de isolamento
diplomático. Rio de Janeiro, Telha, 192 pp.
Os manuais de história, ao abordarem o processo político e social brasileiro ao longo das
décadas, costumam sintetizar os governos a partir de suas características principais, ficando a
política externa, na maior parte das vezes, alijada de referências. Provavelmente este não será o
caso do governo de Jair Bolsonaro (2019-2022), dada a enorme inflexão de sua política externa,
e a atenção que fatores domésticos e o próprio presidente da República despertaram na
comunidade internacional. O isolamento diplomático brasileiro neste período, e as ações
prejudiciais ao interesse nacional praticadas em todas as frentes de atuação internacional, são os
temas centrais do livro organizado por Ana Teresa Lopes Marra de Sousa, Gilberto Marcos
Antonio Rodrigues e Diego Araújo Azzi, docentes da Universidade Federal do ABC (UFABC).
A obra resulta de reflexões realizadas pelo Observatório de Política Externa Brasileira (OPEB),
constituído por docentes e discentes do Bacharelado e do Programa de Pós-Graduação em
Relações Internacionais da UFABC. Os capítulos analisam diversas facetas da inserção
internacional brasileira, focadas especialmente no ano de 2021, uma vez que foram lançados
anteriormente dois volumes que centraram atenções nas primeiras movimentações do governo
Bolsonaro no sistema internacional, e em sua atuação frente à pandemia de Covid-19. Todos os
textos foram coordenados por docentes e receberam a contribuição dos discentes vinculados ao
referido observatório.
O primeiro capítulo, coordenado por Giorgio R. Schutte, demonstra a falta de visão estratégica
na inserção econômica do Brasil que, ao contrário de países como China e EUA, se pautou pela
ausência de investimento público em áreas econômicas estruturais, e pela manutenção de
políticas neoliberais evidenciadas, por exemplo, nos leilões de infraestrutura e na política de
preços da Petrobrás. Os autores refletem sobre a necessidade de reversão deste cenário, a partir
de uma projeção internacional baseada em uma economia soberana e sustentável. O capítulo
seguinte, coordenado por Lucas Tasquetto, trata das interações entre a política externa brasileira
e os temas de saúde e propriedade intelectual, explicitando a ruptura da tradição brasileira de
defesa dos interesses dos países em desenvolvimento no campo da saúde e do comércio
internacional. A posição do Brasil na Organização Mundial do Comércio, contrária à suspensão
temporária da propriedade intelectual sobre as vacinas contra a Covid-19, é um dos exemplos
mais eloquentes dessa inflexão.
O abandono de tradições no campo multilateral se mantém como tema relevante nos capítulos
que tratam da política ambiental e de direitos humanos do Brasil. Os docentes Diego A. Azzi e
Olympio Barbanti Jr. coordenam o texto que aborda a mudança de postura do Brasil nas
negociações mundiais sobre o clima e o meio-ambiente. Nessa seara o país passou de ativo
partícipe para ator isolado, que causa preocupações na comunidade internacional. Gilberto M.
A. Rodrigues coordena o texto acerca da desconstrução doméstica e internacional dos direitos
humanos, relatando como se deram as alianças com países de extrema-direita e a inflexão dos
votos brasileiros em âmbito multilateral, em questões como direitos das mulheres,
reconhecimento de direitos dos povos originários e das minorias LGBTQIA+. O texto também
analisa o descaso governamental com a pauta de direitos humanos no enfrentamento à
pandemia, tomando como referência, entre outras ações, as nebulosas negociações políticas para
a compra de vacinas.
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As relações entre Brasil e EUA são centrais em dois capítulos. Flávio R. de Oliveira analisa as
interações entre as Forças Armadas brasileiras e os Estados Unidos, e traça um panorama
histórico dessa aproximação, adensada a partir de 2019. O capítulo descreve episódios recentes,
como o encontro de lideranças castrenses norte-americanas e brasileiras, e os exercícios
conjuntos praticados pelas Forças Armadas de ambos os países, com atenção especial àqueles
realizados na costa africana. Já as relações bilaterais entre Brasil e EUA, a partir da posse de Joe
Biden, são analisadas no capítulo coordenado por Tatiana Berringer, no qual argumenta-se que,
embora tenha havido ajuste de posição ideológica com a derrota de Donald Trump, não houve
mudança no perfil de subordinação passiva do Brasil ao imperialismo. São abordados temas
conflituosos e divergentes entre os governos Biden e Bolsonaro, como os referentes à política
ambiental e aos projetos econômicos.
As relações entre Brasil e China são discutidas no capítulo coordenado por Ana Teresa L. M.
Sousa, que avalia os desafios enfrentados, especialmente pelo Brasil, diante da interdependência
econômica e das assimetrias cada vez maiores com o gigante asiático. Os impasses nas relações
com a África são o alvo do capítulo coordenado por Mohammed Nadir e Flávio Francisco, que
demonstra as contradições entre o descaso governamental com a política africana e os interesses
econômicos do agronegócio no continente. A presença de igrejas brasileiras neopentecostais em
Angola e África do Sul, é abordada de forma a denunciar a instrumentalização dos recursos
diplomáticos no favorecimento a esse setor, que se constitui em uma das bases internas de
sustentação do governo Bolsonaro.
O texto sobre a América Latina foi escrito por Gilberto Maringoni, que tece interessantes
considerações sobre a imprecisão do termo “progressista” para denominar os governos latino-
americanos em vigência no início do século XXI. O autor observa que tais governos foram
marcados por avanços sociais, mas também pela incapacidade de alterar as estruturas de
dependências históricas da região. O capítulo analisa as recentes vitórias da centro-esquerda na
América Latina, e o isolamento do Brasil frente a essa realidade. O diplomata Antonio Cottas
Freitas, idealizador do Programa “Diplomacia para a Democracia”, assina o posfácio, no qual
elenca as ações necessárias para a retomada de uma inserção internacional baseada na soberania
e na democracia.
Os textos evidenciam, em maior ou menor grau, como as demandas pragmáticas ou ideológicas
de grupos domésticos adentraram a formulação da política externa, e chamam à reflexão sobre
as fragilidades de uma política pública que, ao responder aos desejos e visões de mundo dos
setores dominantes a partir de 2019, comprometeu o interesse nacional.
O livro que aqui apresentamos cumpre o desafio de lidar com as limitações inerentes às
avaliações de processos em andamento, mas certamente se constituirá em uma fonte documental
relevante para futuros pesquisadores, especialmente para aqueles que desejarem entender como
os contemporâneos a esse período enxergaram a inflexão do Brasil no cenário internacional, em
suas múltiplas dimensões. A obra também se constitui em exemplo notável das potencialidades
dos projetos extensionistas na formação de excelência dos estudantes das Universidades
públicas brasileiras. A interação entre docentes e discentes do OPEB no processo de elaboração
dos textos mostra a viabilidade de uma produção de conhecimento baseada na pluralidade, e na
defesa de uma inserção altiva e soberana do Brasil no mundo.
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Por Ismara Izepe de Souza. Professora do Departamento de Relações Internacionais da
Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), e do Programa de Pós-Graduação em Relações
Internacionais da Universidade Federal do ABC (UFABC)
Esta obra está bajo una licencia internacional https://creativecommons.org/licenses/by-sa/4.0/
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